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ASAA
Lins CM, Araújo FRP, Menor IHS, Santos MFM
A judicialização da medicina e sua influência no aumento das taxas de cesarianas ao redor do mundo
ização de testes e procedimentos, por vezes desnecessários,
com a intenção principal de autoproteção do médico ao
invés da preocupação maior com o benefício do paciente.
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Um dos exemplos dessa prática é a Cesariana defensiva,
que, por sua vez, é denida como a preferência dessa via
de parto pelo obstetra sem que haja indicação médica clara
para tal, pretendendo evitar uma ação judicial por erro
médico ou negligência.
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A Ginecologia e Obstetrícia (GO) é uma das especialidades
que mais sofre com queixas e processos disciplinares, tendo
em muitos locais uma frequência maior dessas ações do
que especialidades como medicina interna e especialidades
cirúrgicas em geral.
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Já no Brasil, sendo a segunda especial-
idade mais exercida no país
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, um levantamento de dados
feito pelo CREMESP indicou que Ginecologia e Obstetrícia
possui o maior número de processos disciplinares contra
médicos do estado de São Paulo, assumindo o primeiro
lugar entre toda as especialidades com 14,8% desses espe-
cialistas tendo sofrido processo e 25,6% desses tendo sido
condenados.
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Tal contexto faz com que, muitas vezes, esses
especialistas recorram a técnicas de medicina defensiva
como forma de proteção.
Um estudo realizado na Romênia em 2018, entrevistou obstet-
ras de diferentes hospitais do país abordando suas opiniões
sobre o uso da cesariana defensiva. Como resultado, 86,3%
dos obstetras armam que o medo da acusação e processos
por erro médico inuenciam diretamente na escolha de qual
método de parto indicar para a gestante e 69,9% declararam
realizar cesárea defensiva. Além disso 45,09% dos médi-
cos armaram que o procedimento com o intuito defensivo
representa de 10-20% do total de cesarianas realizadas por
eles, enquanto para 19,6% esse tipo corresponde a mais de
50% do total de cesáreas.
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Uma pesquisa similar foi feita em Israel através de um ques-
tionário respondido por vários especialistas em Ginecolo-
gia e Obstetrícia de hospitais terciários do país, dos quais
95% relataram preocupação em ter que enfrentar ações
judiciais e que sua prática médica é inuenciada por esse
contexto. Além disso 87% armaram indicar às pacientes
procedimentos desnecessários, como algumas cesarianas,
para evitar um possível processo e 86% insistem para que
a paciente assine um termo de consentimento em todo e
qualquer procedimento realizado, mesmo que a política do
hospital não considere necessário. Vale ressaltar também que
80% consideram que os próprios Guidelines que abordam
as indicações dos tipos de parto sofrem inuência em sua
composição de medidas de autoproteção e precaução de
acordo com as decisões judiciais no país.
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Existem também estudos que citam como outro fator para o
aumento da realização das cesarianas o surgimento de novas
tecnologias nas últimas décadas na obstetrícia e o aumento
da utilização dos exames complementares, tanto no pré natal
quanto intraparto, permitindo o diagnóstico de determinadas
condições que não poderiam ser previstas nos séculos an-
teriores, e fazendo com que o obstetra indique cesarianas,
por vezes desnecessárias, porém com a intenção de prevenir
desfechos desfavoráveis que lhe acarretem culpa devido
ao diagnóstico prévio dessas condições.
10,11
Um exemplo
disso é o uso constante do Cardiotocógrafo (CTG) já com a
intenção evitar um erro médico, que culmina com o aumento
no diagnóstico de sofrimento fetal e, consequentemente, com
o aumento da realização de partos por via cesárea.
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Além
disso, a incorporação do ultrassom no dia a também tem
sido relacionada por alguns autores como um fator de maior
exposição aos riscos de um processo médico legal, especial-
mente nos casos em que há o diagnóstico equivocado de
malformações fetais ou alterações genéticas.
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Além de contribuir para o aumento da cesariana primária, o
medo de uma ação judicial também tem inuenciado na di-
minuição da taxa de Partos Normais Após Cesáreas (PNAC)
e, consequentemente, aumentado mais ainda a taxa total de
cesáreas. Isso ocorre, pois, o PNAC é considerado um pro-
cedimento de maior risco para ruptura uterina quando com-
parado à realização de uma cesariana eletiva novamente,
embora os riscos absolutos sejam baixos
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, a diferença entre
esses índices se dá em torno de 0,4% para a nova cesariana
eletiva contra 1.3% de risco para o PNAC.
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Dessa forma, há
uma tendência maior por parte dos obstetras em indicar uma
nova cesariana em caso de cesárea prévia, a m de evitar
possíveis eventos adversos. Um estudo realizado na Flórida,
nos Estados Unidos, constatou que a exposição individual
do obstetra a um processo por negligência resulta em uma
redução de pelo menos 10% na probabilidade do mesmo in-
dicar um PNAC.
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Esses fatores vêm reduzindo drasticamente
a quantidade de hospitais e médicos dispostos a oferecer às
suas pacientes o Parto Natural Após Cesárea.
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Conclusão
Através do presente estudo, é possível constatar que as
condutas médicas têm sofrido uma grande inuência da cres-
cente judicialização da medicina nas últimas décadas, oca-
sionando o surgimento da medicina defensiva. A Ginecologia
e Obstetrícia é uma das especialidades mais afetadas devido
à sua alta exposição a riscos, dessa forma, especialistas de
diversos países recorrem à realização de técnicas e procedi-
mentos com o intuito de evitar um possível processo por erro
médico ou negligência, e, nesse contexto, a indicação de