2021, 3(2):15-17 e-ISSN: 2674-7103
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DOI: 10.37085/jmmv3.n2.2021.pp.15-17
Jornal Memorial
da
Medicina
© Copyright 2021
Relato de Caso
Associação de ventrículo único tipo esquerdo com comunicação
interatrial tipo
ostium secundum
: um relato de caso
Association of left single ventricle with ostium secudum atrial septal defect: a case report
André Inocêncio Novaes Lima Filho Alice Almeida de Barros Guimarães Mariana Costa do Rego Barros
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Pernambuco, Pernambuco, Brasil
Resumo
Doenças cardíacas congênitas conguram importantes causas de intervenção cirúrgica no pri-
meiro ano de vida. Dentre essas cardiopatias, as que cursam com ventrículo único associam-se
a altos índices de mortalidade infantil. Já a comunicação interatrial do tipo
ostium
secundum
representa cerca de 10% de todos os defeitos cardíacos congênitos. O presente trabalho relata
o caso de uma paciente de 1 ano e 5 meses que apresenta história de dispneia e cianose aos
esforços desde o nascimento. Ao ecocardiograma transtorácico foi visualizado ventrículo único
tipo esquerdo associado a comunicação interatrial do tipo
ostium
secundum
, congurando uma
rara associação de achados. Dessa forma, objetiva-se discutir conceitos a respeito do tema,
como também as condutas empregadas no caso.
Abstract
Congenital heart conditions are important causes of surgical intervention in the rst year of
life. Among these cardiopathies, those with single ventricle (SV) are associated with high infant
mortality rates. The ostium secundum atrial septal defect (ASD), on the other hand, accounts
for about 10% of all congenital heart defects. The present study reports a case of a 1-year-an-
d-5-months female patient that presents a history of dyspnea and cyanosis on exertion from
birth. Echocardiography showed a single left ventricle associated with ostium secundum ASD,
which congures a rare association of ndings. Therefore, this study aims to discuss concepts
upon the subject as well as the approach adopted in the case.
André Inocêncio Novaes Lima Filho
andre.novaeslima@upe.br
Editado por
Juliana Ramos Andrade
Palavras-chave:
Comunicação interatrial
Coração univentricular
Cardiopatias congênitas
Keywords:
Atrial septal defect
Univentricular heart
Heart congenital defects
Recebido: 24 de agosto de2021
Aceito: 29 de novembro de 2021
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ASAA
Lima Filho AIN, Guimarãoes AAB, Barros MCR
Associação de ventrículo único tipo esquerdo com comunicação interatrial tipo
ostium secundum
: um relato de caso
Introdução
N
o Brasil nascem anualmente cerca de 30 mil cardio-
patas, e estima-se que 80% do total (mais de 23,8 mil
crianças) precisarão de intervenção cirúrgica em algum
momento do seu desenvolvimento, sendo que a metade
deve ser operada ainda no primeiro ano de vida.
1
Doenças
cardíacas congênitas resultando na siologia de ventrículo
único (VU) totalizam 3% das leses cardíacas congênitas e
historicamente são associadas a altos índices de mortalida-
de infantil.
1
a comunicação interatrial (CIA) do tipo
ostium
secundum
representa cerca de 10% de todos os defeitos
cardíacos congênitos. Embora defeitos no septo atrial sejam
frequentes na síndrome do coração esquerdo hipoplásico,
por exemplo, esses não são comuns na cardiopatia do VU.
1
O diagnóstico precoce, bem como o acompanhamento se-
guido de um tratamento eciente, essencial para garantia
de melhora do estado do paciente com cardiopatia congê-
nita, a m de evitar ao máximo possíveis malefícios tanto
no desenvolvimento neuropsicomotor, como na qualidade
de vida em linhas gerais.
2,3
Relato de Caso
Relatamos o caso de um paciente, sexo feminino, 1 ano e
5 meses de idade, com história de dispneia e cianose aos
esforços desde o nascimento, com múltiplos internamentos
por descompensação clínica. Realizou um ecocardiograma
transtorácico (ECOTT) que evidenciou VU tipo esquerdo, CIA
tipo
ostium secundum
, dextroposição dos vasos da base e
estenose pulmonar valvar. Além disso, fez cateterismo diag-
nóstico, que evidenciou o VU com morfologia de ventrículo
esquerdo (VE), com volume diastlico nal aumentado e
fração contrátil preservada (Figura 1). Foi evidenciada
também uma estenose valvar pulmonar importante, com
uxo extremamente reduzido para área pulmonar, e que
as valvas artica e tricúspide tinham boa abertura, no
entanto, os folhetos valvares pulmonares encontravam-se
espessados (Figura 2).
Além disso, o tronco pulmonar apresentou calibre reduzido,
com ramo direito dilatado e ramo esquerdo hipoplásico.
Figura 1: Imagem do cateterismo cardíaco, mostrando dupla via
de entrada em ventrículo único, suprindo a circulação artica e
pulmonar.
Figura 2: Imagem do cateterismo cardíaco, mostrando calibre redu-
zido do tronco pulmonar, com ramo esquerdo hipoplásico e ramo
direito dilatado.
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ASAA
Lima Filho AIN, Guimarãoes AAB, Barros MCR
Associação de ventrículo único tipo esquerdo com comunicação interatrial tipo
ostium secundum
: um relato de caso
Optou-se por realizar interveão cirúrgica, com um
shunt
de Blalock-Taussing (da artria subclávia esquerda para
artéria pulmonar esquerda – ASCE/APE), que ocorreu sem
intercorrências. Evoluiu, porém, com bradicardia, hipoten-
são e queda de saturação. Realizou-se um novo ECOTT
que mostrou que o
shunt
não estava prvio. Foi submetida,
então, a um novo procedimento cirúrgico, com realização
de um
shunt
da artéria braquiocefálica para a arria pul-
monar direita, que ocorreu sem intercorrências, porém sem
mudança do estado clínico da paciente. Para avaliação do
shunt
, a paciente realizou novo cateterismo cardíaco, em
que foi feita uma implantação de 2 stents na anastomose
APE/ASCE, alm de plastia ao nal da APE. Ademais, o
shunt
à direita foi ocluído. Após procedimento, a paciente
evoluiu com melhora da saturação de O
2
, com bom uxo
pelo
shunt
. Recebeu alta da UTI em boas condiçes clínicas,
seguida de alta hospitalar, aps 2 meses de internação
para acompanhamento em sua cidade de origem.
Comentários
O VU  uma má formação congênita que atinge de 4 a 8
em cada 10.000 nascidos vivos.
4
Essa condição caracte-
rizada por uma circulação univentricular e por dupla via de
entrada e saída ventricular em que uma câmara suporta a
circulação sistêmica e pulmonar. Na maioria dos casos,
presença de ambos os ventrículos, sendo um considerado
a câmara principal e o outro uma câmara rudimentar, na
qual há diferentes níveis de hipoplasia. Para avaliar os
pacientes com circulação única necessário analisar como
se conectam os átrios, ventrículos e os grandes vasos de
maneira sequencial-segmentar.
A circulação coronária da paciente se constitui por ar-
ranjo de átrios que se conecta por dupla via por valvas
atrioventriculares ao ventrículo direito por trabeculaçes
septomarginais grosseiras e bem denidas. Havendo um
único ventrículo, mistura sanguínea dos retornos da
circulação, com oxigenação e distribuição dependente
do grau de obstrução pulmonar, das resistências do átrio
esquerdo, da pressão nas veias pulmonares e da resistência
das artrias vasculares no circuito de ventrículo único.
3,4
Em relação à CIA do tipo
ostium secundum
apresentada
pela paciente, pode-se dizer que esse orifício provém da
deciência do septo atrial primitivo, tecido o qual forma
a lâmina da fossa oval. Esse tipo de CIA corresponde a
80% do total de casos.
2,4
Os sintomas dessa condição estão
associados a magnitude e duração do desvio, os quais são
determinados pelo tamanho do defeito e pela complacência
dos ventrículos. Tal complacência, por sua vez,  bastante
inuenciada pela resistência vascular pulmonar. No caso
da paciente, temos um ventrículo único associado a uma
alta resistência vascular pulmonar, constituindo uma íntima
relação entre os achados da cardiopatia congênita. O
hiperuxo da CIA, em geral, bem tolerado por vários
anos, mas, no presente caso, dado à complexidade dos
achados da paciente, percebemos uma superposição de
sinais e sintomas cardiovasculares, como dispneia e cianose
aos esforços apresentados.
4
Conclusão
Os autores dão ênfase à complexidade da cardiopatia
descrita pela presença de múltiplos defeitos associados. A
presença da CIA do tipo
ostium secundum
em um quadro
de VU com dupla via de entrada e saída requer um manejo
especial pela sua singularidade, com grande esforço por
parte dos cardiologistas pediátricos, em razão do grande
número de complicaçes tardias que esses pacientes podem
apresentar.
Financiamento: não houve nanciamento
André Inocêncio Novaes Lima Filho
https://orcid.org/0000-0003-0112-3320
Alice Almeida de Barros Guimarães
https://orcid.org/0000-0002-6016-5195
Mariana Costa do Rego Barros
https://orcid.org/0000-0002-2078-4354
Referências
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