2021, 3(2):29-31 e-ISSN: 2674-7103
29
DOI: 10.37085/jmmv3.n2.2021.pp.29-31
Jornal Memorial
da
Medicina
© Copyright 2021
Relato de caso
Medicina Clínica
Síndrome de Weil com sangramento vaginal: um relato de caso
Weil syndrome with vaginal bleeding: a case report
Giovanni Henrique Barbosa Santos da Silva , Letícia Kelly Domingos Brito , Maria Eulália Carneiro Leal ,
Heloísa Antero Fernandes , Inês Oliveira Afonso Maia
Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste, Caruaru - PE, Brasil.
Resumo
Leptospirose é uma zoonose comum no Brasil, cuja incidência é aproximadamente 1,9 casos
por 100.000 habitantes. É causada pela bactéria Leptospira, transmitida pelo contato com
água, solo ou tecido animal contaminado. As manifestações clínicas variam a depender da
fase precoce ou tardia, abrangendo desde sintomas inespecícos, como febre, cefaleia, mialgia
e vômitos, até disfunções orgânicas graves, como a Síndrome de Weil (icterícia, lesão renal e
hemorragias). Este trabalho descreve uma mulher de 51 anos com quadro de febre, icterícia, dor
em membros inferiores e sangramento vaginal de moderada intensidade. Recebeu diagnóstico
de síndrome de Weil com sangramento vaginal pela história clínica, laboratorial e sorologia
positiva para leptospirose. Foi iniciado antibioticoterapia, evoluindo com melhora e consequente
alta hospitalar. Por ser uma doença subnoticada, faz-se necessário identicar os sintomas e
possíveis manifestações atípicas, a m de facilitar o diagnóstico precoce, além de desenvolver
estratégias preventivas na tentativa de minimizar custos e diminuir complicações.
Abstract
Leptospirosis is a common zoonosis in Brazil, with an incidence of approximately 1.9 cases
per 100,000 inhabitants. It is caused by the Leptospira bacteria, transmitted by contact with
contaminated water, soil or animal tissue. Clinical manifestations vary depending on the early
or late phase, ranging from nonspecic symptoms, such as fever, headache, myalgia and
vomiting, to severe organic dysfunctions, such as Weil Syndrome (jaundice, kidney damage
and hemorrhages). This paper describes a 51-year-old woman with fever, jaundice, pain in
the lower limbs and moderate vaginal bleeding. She was diagnosed with Weil syndrome with
vaginal bleeding based on clinical and laboratory history and positive serology for leptospi-
rosis. Antibiotic therapy was started, progressing with improvement and consequent hospital
discharge. As it is an underreported disease, it is necessary to identify symptoms and possible
atypical manifestations in order to facilitate early diagnosis, in addition to developing preventive
strategies in an attempt to minimize costs and reduce complications.
Letícia Kelly Domingos Brito
leticiabrito2812@gmail.com
Editado por
Juliana Ramos Andrade
Palavras-chave:
Zoonoses bacterianas
Leptospirose
Doença de Weil
Keywords:
Bacterial Zoonoses
Leptospirosis
Weil Disease
Enviado: 6 de outubro de 2021
Aceito: 30 de novembro de 2021
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ASAA
Silva GHBS,Brito LKD, Leal MEC, Fernandes HA, Maia IOA
Síndrome de Weil com sangramento vaginal: um relato de caso
Introdução
A
leptospirose é uma zoonose subnoticada com impor-
tante prevalência mundial. Segundo dados da OMS,
estimam-se 873 mil casos no mundo e 48.600 mortes anu-
ais. No Brasil, ocorre durante todos os meses do ano, com
grande importância econômica e social, dada a elevada
taxa de internação e de dias de trabalho perdidos. A inci-
dência anual no país é de aproximadamente 1,9/100.000
habitantes, havendo surtos relacionados a desastres am-
bientais.
1-3
Os principais reservatórios para a
Leptospira
, bactéria
helicoidal móvel, na região urbana são os roedores e na
zona rural os bovinos, suínos, ovinos e principalmente equi-
nos. A transmissão se dá pelo contato com a urina destes
animais ou pela exposição à água, solo ou tecido animal
contaminados. O microrganismo penetra através de lesões
dermatológicas ou quando há imersão por longo tempo da
pele íntegra ou mucosa em água/lamas contaminadas.
2-5
A
bactéria é resistente aos fatores bactericidas do sistema
imune, o que permite sua disseminação hematogênica e
alta virulência, podendo atingir órgãos vitais.
5-7
A infecção tem uma incubação que varia 1 a 30 dias e é
responsável por um espectro de doença muito amplo, desde
quadros subclínicos/assintomáticos (85-95%) e autolimita-
dos com sintomas como febre de início abrupto, calafrios,
mialgia e cefaleia, até quadros fatais (5-15%), como a
Síndrome de Weil (SW).
2,3,6
O diagnóstico é feito a partir de dados epidemiológicos e
das manifestações clínicas, sendo conrmado por achados
laboratoriais (testes sorológicos, moleculares ou cultura).
4,5,8
A antibioticoterapia deve ser instituída em qualquer fase da
doença, mas é mais ecaz quando usada precocemente.
Na fase precoce, as opções são doxiciclina ou amoxici-
lina, já na tardia, penicilina G cristalina, ampicilina ou
ceftriaxona.
2,4,8,9
Objetiva-se neste trabalho relatar um caso de leptospirose
com as manifestações da SW e quadro hemorrágico inco-
mum, o sangramento vaginal.
Relato de Caso
Paciente mulher, negra, 51 anos, procedente de Caruaru,
procurou atendimento em Unidade de Pronto Atendimento
com queixa de febre e dor em membros inferiores (MMII),
de início há 7 dias. Apresentava sangramento vaginal de
moderada intensidade e negava história de dor abdominal,
vômitos e diarreia. Ao exame, apresentava icterícia (1+/4+)
e ausência de dor à palpação abdominal. Os resultados
dos exames laboratoriais evidenciaram: Hemoglobina: 12;
Leucócitos: 13.600; Segmentados: 83,2; Plaquetas: 55.000.
Foi transferida para um hospital tercrio, onde evoluiu com
piora do quadro álgico em MMII e colúria. Sem anteced-
entes médicos pregressos. Histórico de uso de anticoncep-
cional oral combinado há 27 anos, sendo interrompido 6
dias antes do internamento. Possuía epidemiologia positiva
para leptospirose, por contato com água de enchente há
cerca de 25 dias da admissão.
Ao exame físico, apresentava-se hipocorada (1+/4+) e
ictérica (1+/4+), sem novos episódios febris. Aparelho respi-
ratório, cardiovascular e abdominal sem alterações. Do
ponto de vista laboratorial, vericou-se: Hemoglobina 10,2;
Leucócitos 11040; Segmentados 79; Ureia 156; Creatinina
3,5; Bilirrubina total 7,9 (direta 7,9 e indireta 0); Amilase
421; Lipase 2066; PCR: 184,16; Sódio 131; Potássio 3,11;
Sorologia leptospirose: IgM (+).
A ultrassonograa abdominal e endovaginal não mostraram
alterações. Com a conrmação diagnóstica, foi iniciada
antibioticoterapia com ceftriaxona 2g, IV, 24/24H e insti-
tuídas medidas de suporte para tratamento de pancreatite
secundária à leptospirose. Foi solicitada uma tomograa
computadorizada (TC) de abdome que trouxe achados
dentro da normalidade. Após 14 dias de internamento,
recebeu alta hospitalar estável, sem queixas e com melhora
do quadro infeccioso.
Discussão
O relato mostrou uma paciente que teve contato com água
de enchente e 25 dias depois apresentou queixa de febre e
dor em membros inferiores, além de icterícia e sangramento
vaginal de moderada quantidade. A principal hipótese
diagnóstica foi de leptospirose devido à epidemiologia
positiva, e foi conrmada com a sorologia.
As manifestações clínicas são divididas em duas fases. A
precoce manifesta-se por febre súbita, calafrios, mialgia, an-
orexia, cefaleia, náuseas e vômitos, com menos frequência
há artralgia, exantema, oftalmopatias, diarreia, hepatoesple-
nomegalia e linfadenomegalia. Dura de dois a nove dias,
regredindo espontaneamente, o que leva a subdiagnóstico
pela semelhança com um quadro viral.
2,3,6
31
ASAA
Silva GHBS,Brito LKD, Leal MEC, Fernandes HA, Maia IOA
Síndrome de Weil com sangramento vaginal: um relato de caso
A fase tardia ocorre em 5 a 15% dos casos e é caracteri-
zada por disfunção de múltiplos órgãos. Nesta, há a tríade
clássica da SW: icterícia, insuciência renal e hemorragia,
principalmente alveolar. Podem ocorrer também alterações
cardíacas e neurológicas. A icterícia é o sinal mais marcan-
te e aparece abruptamente entre 3 e 7 dias após o início
da doença. A insuciência renal é intrínseca, inicialmente
não-oligúrica e geralmente associada à hipocalemia, tor-
nando-se oligúrica com a progressão da doença. Já o
comprometimento pulmonar, se expressa por dispneia, tosse
seca e hemoptise, sendo menos comum haver dor torácica
e cianose. Dentre as principais complicações tem-se: endo-
cardite, pancreatite, distúrbios eletrolíticos e neurológicos
e óbito.
2,5,6
Assim, identicou-se que a paciente se encontrava na fase
tardia da doença, apresentando a tríade clássica da SW
(icterícia, insuciência renal e hemorragia), porém não
apresentou a hemorragia mais comum, a pulmonar, mas
sim hemorragia vaginal. Não foram encontrados, na lit-
eratura, relatos sobre sangramento vaginal associado à
coagulopatias da síndrome de Weil. Além disso, a paciente
desenvolveu pancreatite secundária à leptospirose, uma
complicação incomum que tem o mecanismo exato ainda
não totalmente esclarecido, mas hipotetiza-se uma vasculite
de pequenos vasos, que leva a lesão isquêmica.
8,10
A antibioticoterapia realizada foi importante, pois além de
diminuir a duração da doença, evitou a piora das compli-
cações.
4,5
Conclusão
O presente relato de caso trouxe à luz a discussão das
manifestações mais graves da Leptospirose, a SW, porém
com quadro hemorrágico incomum. Por ser uma doença
subnoticada e subdiagnosticada e considerando os aspec-
tos epidemiológicos da doença, faz-se necessário conhecer
e identicar seu quadro clínico e possíveis manifestações
atípicas para facilitar o diagnóstico precoce, além do desen-
volvimento de estudos e estratégias preventivas que visem
diminuir a incidência, principalmente em países com alto
risco de contaminação.
Conflito de interesse: os autores declaram não haver conito
de interesse.
Financiamento: não houve nanciamento.
Giovanni Henrique Barbosa Santos da Silva
0000-0002-7887-9401
Letícia Kelly Domingos Brito
0000-0002-9170-0592
Maria Eulália Carneiro Leal
0000-0002-7060-5596
Heloísa Antero Fernandes
0000-0001-8395-1028
Inês Oliveira Afonso Maia
0000-0002-0545-5800
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