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ASAA
Azevedo Filho HRC
Reminicências do antigo Hospital do Pronto Socorro do Recife: Primeiro contato com a Morte Encefálica
supervisionando os atendimentos. Embora no plantão
do Chefe Porto isso não fosse um problema, acordar
um médico no meio da noite somente se fazia quando
era absolutamente imperioso visto que independente da
necessidade o contato vinha sempre acompanhado por
uma sonora reprimenda. O quarto cava às escuras e
deveríamos saber a cama que a pessoa a ser acordada
geralmente dormia, porquanto elas tinham dono e ai
de quem ousasse se deitar naquela ‘propriedade’. Nós
tínhamos o nosso quarto com três camas no outro lado
do corredor e também não permitíamos que nenhum
estagiário nelas tocasse, embora no mais das vezes a
noite transcorresse sem nenhum de nós vir a utilizá-las.
Os banheiros cavam ao lado do alojamento dos mé-
dicos que também tinham prioridade para o seu uso.
Dividíamos a noite em turnos de duas horas a partir da
meia-noite, mas essa escala quase nunca era cumprida
porque passávamos quase sempre acordados. Às seis
horas da manhã, Porto se reunia conosco para saber os
últimos detalhes do plantão, a m de passar para o chefe
que o substituiria. Ao contrário de hoje, bons tempos do
passado, a rendição era homem a homem para todos os
membros, ou seja, só podíamos sair do hospital quando
o nosso respectivo
rendeiro
chegasse.
Para mim no quinto ano médico o plantão da sexta-fei-
ra era um problema, pois às 14,00 horas era a aula
teórica de neurologia no Hospital Pedro II e o professor
fazia nominalmente a chamada não permitindo que
ninguém assinasse pelo colega ausente, e ademais eu
devotava o máximo interesse em assistir aquelas aulas,
movido pela minha já decidida inclinação por aquela
especialidade. Por conseguinte, muitas vezes tive de
pagar para que um colega concursado casse por mim
algumas horas o que não era aceito de bom grado pelo
chefe em razão de alterar a rotina do serviço, no que
ele estava certo.
Era durante as noites que tínhamos as maiores opor-
tunidades de operar, sempre assistidos por um
staff
.
Durante o dia geralmente os plantões eram mais corridos
com os cirurgiões querendo largar rigidamente às 16
horas a m de ainda ir para os seus consultórios priva-
dos. Durante o sexto ano, operei hérnia encarcerada,
apendicite aguda, lesão traumática do jejuno, gravidez
ectópica rota, ferimentos abdominais por arma branca e
de fogo, tendo sido, portanto um excelente laboratório,
fundamental para iniciar a neurocirurgia que eu almejava
me especializar. Cheguei mesmo a operar um hematoma
subdural crônico, minha primeira intervenção neurocirúr-
gica, gentilmente cedida por Hélio van der Linden que
acabara de chegar do seu estágio em Paris, no histórico
Hospital Salpetriére.
A equipe médica cheada pelo estimado Chefe Porto
era fantástica, uma verdadeira academia. Os cirurgiões
eram Tibério Moreno de Siqueira, Antônio Andrade e
Artur Souza Leão, excelentes prossionais que nos tra-
tavam de forma cavalheira como futuros colegas, como
de resto todos os outros membros do grupo assim nos
tratavam. Os clínicos, cheados pelo Dr. Vieira Brasil,
eram Carlos Alberto Correia de Araújo (Hematologista
e Professor da Cadeira de Terapêutica Clínica), Vitorino
Spinelli, Ede Oliveira e Luiz Fernando Maciel, todos liga-
dos à cadeira da Primeira Clínica Médica do Professor
Amaury Coutinho. Como traumatologistas tivemos a
princípio Manoel Caldas Temporal, com a sua famosa
insônia, e posteriormente o Professor Hélio Lucio de Sou-
za quando do seu retorno de estágio em São Paulo. Foi
acompanhando Hélio Lucio que fez Alexandre Arraez se
decidir denitivamente pela Traumato-Ortopedia. O otor-
rinolaringologista era Fernando Carneiro Leão, o nosso
querido Louro, gura maior que a todos cativava pelo seu
temperamento ameno e a forma gentil de se comportar.
Devo a Louro o ensinamento e a possibilidade de fazer
as minhas primeiras traqueostomias.
Além das emergências que chegavam ao hospital das
mais diversas maneiras, como os queimados por ocasião
do ciclo junino, os acidentes e agressões nos grandes
feriados principalmente no período carnavalesco, o
hospital prestava um serviço semelhante ao SAMU de
hoje. Havia 3 a 4 ambulâncias que faziam atendimentos
externos, mercê de solicitações através de uma central
telefônica na ocasião já obsoleta. Lembro-me bem dos
motoristas e dos ‘enfermeiros’ que geralmente mais idosos
talvez fossem designados para essas atribuições como
uma maneira de aliviá-los de uma carga mais desgas-
tante nos boxes. O material de primeiros socorros se
encontrava em uma pesada caixa de madeira onde havia
as drogas mais usadas e instrumentos para pequenas
suturas. Não constavam soros para infusão venosa nem
material para intubação e reanimação. A bem da verda-
de, para uma boa parcela das emergências, a maioria
dos ‘enfermeiros’ com vários anos naquela labuta, não
precisava de médicos para tratar as patologias e resolver
os problemas que nas saídas teriam de dar conta. Por
turno, havia em torno de 8 a 10 saídas.
Apanhava-se um atropelado em via pública ou vítimas
de acidentes automobilísticos, sem ter o devido cuidado
que atualmente esse resgate se reveste. Íamos buscar
um bêbado que estava fazendo desordem na zona de
meretrício mais das vezes recolhido ao comissariado da-
quele bairro e frequentemente, parcialmente recuperado
da intoxicação alcoólica pelas ‘carícias’ que já houvera
recebido da autoridade policial. Nas noites dos meses
chuvosos, os asmáticos sofriam bastante aparecendo
com frequência na emergência, tanto que conhecíamos
vários pelos nomes. Aqueles que moravam longe e não
podiam se locomover, dirigiam-se aos comissariados
dos bairros e de lá telefonavam pedindo socorro. Os
comissariados de polícia serviam como locais onde a
população mais humilde se dirigia para buscar ajuda
médica e socorro em virtude da escassez de recursos de
telefonia. Isso era mais frequente nos morros da zona
norte do Recife, onde cavam esperando uma injeção
de glicose com aminolina. Sem esquecer que as noites
chuvosas também propiciavam os edemas agudos do
pulmão nos cardiopatas crônicos. Fazíamos a medicação
de emergência por via endovenosa, composta de glicose,
cedilanide, lasix e dolantina, além do “garroteamento”
alternante de três membros e aguardávamos a dispneia
melhorar. Se melhorasse, de lá mesmo o paciente era